Fiz Pouco Caso (III) – Faço um Retrato em Retratação.


O acaso de minha imaginação fez-se caso sério, seriíssimo pouco escasso, rico rico cheio farto pobre de mim num agora mesmo de poucos traços.
***
Ainda semente, vou num caminhar sem fim. Sem me importar com chegadas, vou, apenas vou, assim. Assim simplesmente navego quase, quase que à deriva de mim, submissa ao fluxo corrente de meus pensamentos – ora ressaca, ora maré alta, nunca água rasa.
Encontro lá no horizonte Sol e Lua namorando amarelo. Amarelada igual aos girassóis, Van Gogh e a cadeira, com avergonhada ignorância, pergunto: Resolveram se encontrar no cansaço de suas rotinas? Sol e Lua sorriem, Rotina? Que rotina? Isso não existe. Aceito a reposta em sua incoerência, não como verdade absoluta, apenas como provisória lição, apenas no hoje. Amanhã, quem sabe, talvez eu deixe a taça de loucura intacta sobre o tampo da mesa e acorde outra.
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Não sou, no muito, uma outra pessoa, apenas aquilo que sai de mim é que difere do dentro, quase irreconhecível para o fora, porquanto me fantasio com cachos de banana já apodrecendo dependurados na cabeça. Sou um ponto e vírgula, desconheço-me ponto final. Faço um parágrafo, mudo o assunto sem recomeçar sem resistir sem resignar; modo de sentir-me aliviada das dúvidas em dívidas internas. Logo, externa, proponho-me uma novela ou um jogo de futebol. Sou um algo se esforçando no estar leve – estado de paz externado, porém não perpetuado, contenta-me isso, isto, aquilo… Busco a condição de contemplar (contendo-me no procurar de afrescos) a plenitude nua da natureza crua, das miudezas, dos seres, do Tudo e do Nada.
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Lá fora o vento está forte, chove chuva-choro divino, chove duro, chove pedras, não chove colos, não chove cantos, não chove carinhos. Chove aparências.  De tanto aparecer, desapareço nesta fantástica floresta.
Quero uma bala… algo doce para amainar-me nas voracidades: dos cremes, dos toques de depilação, das unhas feitas incessantemente, as quais eu como, não por desleixo ou preguiça, é pelo furor de pássaros a corroer-me.
Saio para banhar-me nesta chuva que consome. Volto encharcada de água de lágrimas de fome. Quero meus pés descalços, minha vista grossa, desanuviada das nuvens carregadas de imaginações.
Lá fora está frio, aqui dentro restam traças. Elas roem remoem e resmungam com meu cérebro numa língua primitiva: o anterior ao ato.
O antes das palavras me morde no peito. Antes eu ficasse excitada, rósea como rosa desabrochada. Fico é amarela, feito os grãos de minha espiga dorsal, esperando-me sentada na cadeira amarelada. Fico é roxa, feito a loucura no fundo da taça. Fico é verde, colhendo as folhas secas da árvore que pretendo ser.
Entretanto, não sou de estática, faço-me de estórias ornadas. Fantasias sonhadas enquanto acordada, fantasias adormecidas. Dou um sonho para parar de fantasiar-me, pois temo. É a mim quem temo, é por mim que tremo, é de mim que saio correndo e buscando-me, com um medo infantil das sombras na parede do quarto.
De minha mente sinto: ela sente calada aquilo que sinto.
Trocas dinâmicas do uno com o plural – transitando entre um e outro pode ser que eu me encontre.
Componho-me em dicotomias (oscilar entre pólos opostos é de mais fácil solução, um jeito de anular-se a dúvida gerada no entremeio da opção). Amo-me numa estrofe amena, odeio-me na seguinte com fúria, sou teórica com indiferença, mudo de assunto tão rapidamente ao ponto de acabar no perder-me de mim. Mas, entre os versos, procuro meu reflexo – trabalho incessante constante, quase – quase obcecada, eu preciso, eu espero, eu preciso, eu procuro, eu preciso… Retornar-me, encontrar meu eixo, meu ego, meu apoio, algo que cheire à minha essência, à minha efervescência.
A catarse realiza-se pura e genuína, sorrio e choro ao mesmo tempo, molhando de prosa o verso. Disso não faço pouco caso.
Quero ser alguém no tudo, contudo, no muito de minha imaginação eu sobrevôo as arvores do mundo. O pouco caso aduba abundâncias de musgos no muro. Preocupo-me, afinal, no também não quero excesso, tampouco poucos restos, quero um tanto além daquilo que possuo agora: o papel e a caneta, conjunto líder desta revoada revolta revolução.
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Transformo-me em pássaro voando pelos ares de Agosto, quando as folhas não são tão verdes quanto fico à colher suas securas, são leves e entregues ao vento.
No inverno de Agosto nasci prematuramente. Antecipei-me, caso contrário eu brotaria numa flor. Renasço de tempos em tempos, sem prévia mensura de estação, para habitar-me na poesia, dividindo-a com versos, estrofes, insetos, fantasia e emoção.
Gostaria de poder falar sempre como eu falo com o papel. Ele não faz pouco caso de mim, ele apenas me espera ainda tácito intacto na sua brancura.
Moro na poesia e por ser-me dela não sou pobre, nem rica, sou somente ela, nem mãe, nem filha – somos o mesmo ser.
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Preciso parar-me no pensar. Tenho que pesar o quanto de conhecimento já adquiri, a fim de ver se minha imaginação pausa no freqüente. Todavia receio. Receio-me em mim e para mim. Todavia (re)quero. (Re)quero-me em mim procurar-me e espero. Espero-me no meu retorno, sentada no couro morno da cadeira amarela entre os girassóis, enquanto Van Gogh mostra-me sua orelha na falta que dói.
Elucubrações tresloucadas exageradas empanturram minha mente cansada. Engulo tudo que vejo, vejo tudo que engulo e ainda assim não me curo desta patologia severa: a voracidade desconexa.
Perco-me nas noções do exagero, atinjo-me nas ausências de adequações. Onde estou realmente deveria-me no estar? Onde sou eu posso ficar?
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Estou empanzinada, Chega! Não mais desfilarei faceira.
Refaço-me e retorno-me: apareceu a libido que tanto comeu, comeu o medo que agora sumiu.
(Em)fartei-me de ser sabiá sabendo-se sobrevoar sobre as copas do Todo. Acho já poder reconhecer-me neste algo ameno e doido perdurado nas durezas.
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Vomitei a chave, o cofre foi aberto. Insegurança, impaciência…
Esperei meu tempo no demais, colada na unificação de mim mesma.
Estou ansiosa para ver o mundo lá fora, será tão diferente assim? Provavelmente é muito mais cruel do que minha mente que mente para mim.
Estou ávida, preciso fumar… Que se abra a gaiola!
Não vôo, não corro, saio devagar.
Descolo a remela dos olhos e acordo.
***
O acaso de minha imaginação foi-se desfazendo de seu caso tão sério. No princípio, senti-me pobre. Da riqueza pensei ter sobrado somente o passado – escondido de mim para evitar-me em lembranças fantasiadas, ardidas de boas e ausentes que são.
Aos poucos, com as memórias transitando livres de afrescos, com a imaginação amainada, veio-me outra riqueza: o meu amor. O amor desnudado em simplicidades, que esquenta pés e mãos gelados, que a cada segundo faz-me no diferente mesmo estando no igual, que a cada hora faz-me levantar da cama da queda da lama. Algo precioso, algo rico, o qual fala comigo e não de mim, nem por mim. Este algo foi aprendizado – ensinamento fio a fio de cada linha – daqueles acasos de pouco caso.
Onde os versos encontram-se comigo, eu sou eles, eles são eu. Juntos, somos inversos, crescemos correntes, diminuímos sementes e plantamo-nos nos espaços vagos do papel. Brotamos linhas de estórias minhas, as quais são repartidas na comunhão dos sentimentos de todos tão presos no dentro.
O passado, o imaginar, a fala pré-ato, pré-verbal… O amor.
A vida segue-se de carinhos e as fantasias despem-se devagar. Sem muito susto neste despertar – aparentemente inócuo, mas profícuo em realizar mudanças no quase sempre.
E para sempre sigo com mais uma boa recordação: a deste escrever quente escorrendo de minhas mãos.
Karina Viega.
Published in: on 29 de dezembro de 2010 at 12:38 AM  Comments (3)  

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3 ComentáriosDeixe um comentário

  1. Sou sua fã Ka!! Linda!!! Cada palavra, me cativou.

  2. […] Sou simples-mente-corpo-alma aquilo que escrevi AQUI. […]

  3. Uauuuuuu!
    Quantas palavras lindas. Quanta intenção bacana. Quanto amor pelas letras rsrs
    Parabéns.
    Agora com licença que vou ali pro Aurélio entender algumas coisas rsrsrrsrsrsrrs
    Bjooooooooooooooo


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